Diagnosticado
Luciane
Couto
“O processo de criação narrativa é a transformação do demônio em tema”
Vargas Lhosa
Você,
leitor, certamente já ouviu falar da Síndrome de Stendhal, um distúrbio
psicológico desencadeado pela overdose
de beleza, sobretudo frente a obras de artes.
O autor francês Stendhal, que empresta seu nome ao distúrbio, foi o
primeiro a descrevê-lo, em 1817, ao mencionar no diário de viagem sua
experiência ao visitar uma basílica em Florença. Décadas e décadas mais tarde,
a psiquiatra italiana Graziella Magherini descreve reações (desmaios,
vertigens, alucinações, desequilíbrio afetivo...), semelhantes às descritas por
Stendhal, em dezenas de outros turistas que visitavam Florença, e daí
configurou-se a tal síndrome. Eu mesma fui acometida por ela: chorei
copiosamente por minutos intermináveis ao visitar pela primeira vez a Duomo, em
Milão, e não consegui permanecer no interior da Catedral de Notre Dame, em
Paris, devido a um sentimento de angústia atroz. Felizmente, meus sintomas não
permaneceram nem se ampliaram. Assim eu acho.
Mas
esqueça Stendhal, pois quero compartilhar com você a descoberta (minha) de uma
nova síndrome!!! Um artista medíocre
acredita piamente que seu trabalho é irrepreensível, e que os demais, pueris
reles mortais, devem reverencia-lo e enunciar calorosamente os atributos do seu
trabalho. Bastou alguém o ter elogiado no passado para ele se sentir magnânimo,
invencível, capaz de justificar sua atrofiada sociabilidade pelo seu talento,
que acredita ser singular e elevadíssimo, quando na verdade nada mais é que uma
versão pálida de Florence (entenderá minha comparação ao ver o filme “Florence,
quem é essa mulher?”, mas a versão hollywoodiana perde para o francês
“Marguerite”). Eis a Síndrome de Shakespeare!
E
ai do pobre sujeito que questionar o profissionalismo ou evidenciar alguma
mácula no desempenho do acometido pela Síndrome de Shakespeare, pois será alvo
de toda a agressividade do tal artista, que descerá do Olimpo para empenhar uma
energia hercúlea para provar que sua obra é algo como um Porfírio ou Clício,
quando na verdade é liliputiana e raquítica. Deus nos proteja dessa síndrome e
dos que dela sofrem, pois não parece haver fármaco ou psicoterapia que a
aplaque. Talvez só reza brava funcione, muita e ecumênica.
Aprofundarei
no estudo nosológico da Síndrome de Shakespeare, que provavelmente será
incluída no Novo Código Internacional de Doenças. Inclusive já consigo antever,
desde já, plateias lotadas me ouvindo explanar sobre a nova doença, e no fim dessas
explanações, eu sendo aplaudida de pé, ovacionada, laureada...
Esqueci-me
de mencionar: a Síndrome de Shakespeare é altamente contagiosa. Mas para provar
que estou ainda em posse de minha sanidade, ressalto que na verdade devo
compartilhar o mérito pela descoberta e descrição da nova síndrome com uma
grande profissional e amiga:
-
Cristina, o Prêmio Nobel será logo nosso!
E
não poderemos deixar de agradecer e dedicar nosso futuro prêmio ao Dudu, pois
graças a ele identificamos e comprovamos a Síndrome de Shakespeare. Viu, Dudu, sua fama finalmente se perpetuará!
“Resta saber de onde vem essa necessidade
absoluta que transforma todos os escritores em eternos indigentes do olhar
alheio” Rosa Montero
Lu, minha nossa!
ResponderExcluirVocê é sempre tão calma, imagino só o que aconteceu que possa ter inspirado este texto (muito bom, por sinal)!
Acho que essa síndrome leva nomes diferentes para as mais variadas atividades humanas, porque já vi muitas pessoas com esses mesmos sintomas, rsrsrs!