Belo Horizonte, numa arejada manhã de maio de 2020.
Prezada(o),
Espero que esta carta te encontre bem.
A COVID-19, doença que nos traz tantos desafios no momento, notadamente é conhecida pelos danos causados ao sistema respiratório. Isso me fez querer refletir na carta de hoje sobre a importância desse ato tão vital e que, não raras vezes, negligenciamos (mesmo quando não há a interferência de qualquer vírus): respirar.
Começo ressaltando que o sentido envolvido com o ato de respirar, o olfato, pode ter muita influência sobre nossa percepção do mundo. Podemos ser muito impactados pelos cheiros e nossa história de vida muitas vezes é marcada pelos aromas. No meu caso: o aroma que vem da embalagem de “Leite de Rosas” me faz lembrar de minha bisavó, mulher sábia e forte; leitora voraz que sou, sempre noto o cheiro que os livros (novos ou velhos) podem ter; após um dia exaustivo, assar um bolo em casa e sentir o ar doméstico impregnado de doçuras vindas do forno me traz um conforto instantâneo; ao abraçar meu filho ao longo do seu crescimento fui sentindo seu cheiro mudar ao longo dos anos, começando com sabonete de bebê, passando pelo cheiro de tutti-frutti do chiclete e da grama do jogo de futebol até a loção pós-barba nos dias atuais... E quem viu o filme “Perfume de Mulher”, onde o personagem Frank, cego, identificava as pessoas, sobretudo as mulheres, pelo cheiro? Há, inclusive, a aromaterapia, que é uma técnica que usa óleos essenciais para o cuidado físico e emocional. Enfim, olfato e emoções se interligam.
Respirar é nosso primeiro ato de resistência: vir ao mundo é ter que respirar. Enquanto respiramos, vivemos. O ar é vital, repito. Mas estamos respirando bem? Humanos, animais e plantas vivem de uma melhor forma se usufruem de ar com qualidade, sem poluição (um dos efeitos positivos do confinamento atual, registrado em várias partes do mundo, é a diminuição dos índices de poluição, a ponto de se conseguir avistar o Himalaia em regiões onde a cordilheira esteve encoberta por décadas pelo ar carregado de impurezas). Belo Horizonte já foi reconhecida pela qualidade de seu ar e clima, atraindo, assim, pessoas que vinham passar temporadas em seus sanatórios para se tratarem da tuberculose. Isso ocorreu no início do século passado, antes de medicamentos mais eficazes para a doença chegarem ao Brasil por volta de 1950 (até então, as pessoas com tuberculose eram obrigadas a se afastarem das pessoas queridas, pois a tosse gerada pode propagar a doença, o que muito nos lembra do que tem ocorrido no nosso momento atual). Até para os objetos o ar é importante: temos que por roupas para respirarem de quando em vez, arejar a casa faz parte da sua manutenção adequada...
Como psicóloga, vejo no ato de respirar uma importante pista sobre a saúde emocional dos pacientes: angústia pode trazer o aperto no peito, como se o ar não fluísse; ansiedade pode não deixar o ar entrar o suficientemente; a cólera pode acelerar por demais a respiração... Não respirar adequadamente traz impactos em nosso físico, mas também em nossa saúde mental.
Então, através da carta de hoje quero te incentivar a colocar mais consciência sobre teu ato de respirar. Sugiro que, ao terminar a leitura, faça algo simples: concentre em tua respiração por um ou dois minutos. Não precisa tentar controlá-la, apenas observar: como o ar entra e sai? Qual a temperatura que sente no ar que puxa e no ar que solta? Tua respiração está em que ritmo: devagar ou acelerada? Está superficial ou mais profunda?
Essa prática simples pode ser feita em qualquer momento em que se sinta a necessidade de fazer uma pausa para tentar relaxar e pode ser o ponto de partida para um exercício de atenção plena, que vários estudos indicam como benéfico para a saúde emocional. Nas próximas cartas, trarei mais um pouco de sugestões de relaxamento através da consciência respiratória.
Se achar que tuas emoções estejam interferindo negativa e rotineiramente no teu ato de respirar, pode ser o caso de buscar ajuda profissional. Já há relatos que pacientes chegaram ao hospital suspeitando que estivessem com sintomas da COVID-19, mas, na verdade, estavam com crises de ansiedade. Penso que, na psicoterapia, muitas vezes nós psicólogos também precisamos usar técnicas intensivas para ajudar os pacientes a respirarem melhor, e isso passa pelo trato das emoções, aqui não com o uso de respiradores artificiais, mas através da empatia e escuta qualificada.
Espero que minhas palavras de hoje tenham sido um respiro no teu cotidiano. Continuo aberta para acolher quem desejar me escrever.
Gentilmente,
Luciane Couto
PS: trecho do poema “Inundar de Infância”, de Mia Couto:
“Dentro de mim
o universo se dissolveu
e um respirar de céu
em meu peito se inundou”.
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