sexta-feira, 8 de maio de 2020

Correio Terapêutico

Outras instâncias tem recebido mais escritos meus que esse blog. Mas resolvi partilhar aqui as cartas que estou enviando a cada semana para os colegas de trabalho do local onde atuo como terapeuta.Chamei o projeto de "Correio Terapêutico" e é uma  das formas que encontrei para tentar levar alento e dicas para o bem-estar emocional durante a pandemia atual (também comecei a ofertar psicoterapia online). Partilharei as cartas para que o alento chegue a quem mais precisar...

Belo Horizonte, numa manhã de abril de 2020.


Caríssimo profissional da Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção,

Aqui quem escreve é Luciane Couto, servidora pública na Prefeitura de Belo Horizonte e uma das psicólogas que atua na equipe da Diretoria de Saúde do Trabalhador (DSAT/SMSP). No atual cenário, onde uma pandemia traz tantos desafios e limitações, e estando o atendimento presencial na DSAT suspenso no momento, pensei numa forma de lidar melhor com essas questões e poder contribuir um pouco mais no nosso trabalho, ainda que à distância.

Desde o fim de minha infância, tenho uma afeição por cartas, tanto por escrevê-las como por lê-las. Por cartas, por exemplo, estabeleci relacionamentos que já perduram por décadas. Por cartas, ofertei e recebi alento, boas novas, conselhos, dicas, declarações de amor, desabafos, celebrações e tantas outras coisas que ajudaram a construir minha história e trajetórias. Também tenho um enorme interesse por livros que contenham coletâneas de cartas e por filmes onde as cartas se tornam personagens (um filme que já vi mais de uma vez e recomendo para quem gosta de cinema é “Nunca te vi, sempre te amei”. Já dou um spoiler: a tradução em português do título original do filme sugere uma história de amor romântico, mas o filme retrata a história real da amizade entre uma escritora que vivia no EUA com um livreiro do Reino Unido; uma forte amizade construída por meio de cartas) e nestes livros e filmes a capacidade de conexão e alento das cartas fica muito evidente.

Sendo assim, começo hoje um projeto que chamo de “Correio Terapêutico” (a palavra terapia vem do grego therapeia , que indica cuidar, o ato de curar ou restabelecer): a cada semana, escreverei uma carta na tentativa de contribuir com o seu bem-estar (e felizmente, com a internet, posso escrever uma carta e fazê-la chegar a muitas pessoas e de forma rápida. Não precisarei escrever à mão e esperar dias para que a carta chegue à mão do destinatário, como ocorria na minha infância. Mas acredita que ainda recebo cartas manuscritas nos dias de hoje e que eu as adoro?!).

Desde março passado, conversando com guardas municipais (por telefone, e-mail ou outros canais que nos possibilitam conversarmos à distância) percebi que estes não se queixaram em ter de trabalhar, mas relatam uma sensação de medo (sobretudo medo de serem contaminados pelo vírus Corona e contaminarem as pessoas com quem convivem). Como diz o escritor Mark Twain: “coragem é resistência ao medo, domínio do medo, e não a ausência do medo”. Ou seja, é importante reconhecermos o medo e outras emoções e sensações que nos mobilizam, todavia o mais importante é encontrarmos estratégias para lidarmos com o medo e tudo que possa nos angustiar, e espero contribuir nas minhas cartas com algumas destas estratégias.

A própria Organização Mundial de Saúde, tão citada atualmente, diz que saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”. Portanto, temos que estar atentos ao nosso corpo, mas também às nossas emoções e relacionamentos para zelarmos por nossa saúde. Muito se tem falado das recomendações físicas para evitarmos o contágio pelo vírus (lavar ou desinfetar mãos, usar máscaras, distanciamento social, etc), mas quero ressaltar nas minhas cartas dicas para fortalecermos nossa imunidade emocional, o que, consequentemente, poderá contribuir com a nossa imunidade física. E friso a importância do autocuidado para sermos melhores para os outros e conseguirmos cuidar de quem estimamos. Cuidando de nós mesmos podemos cuidar melhor do mundo

Agora pergunto: o que você fez hoje para o seu próprio bem-estar? Como está o seu autocuidado?

Se considerar que me escrever para partilhar uma ideia, impressão ou mesmo um desabafo pode ajudar no seu bem-estar, por favor, faça-o!Responderei a todos que me escreverem e ressalto que o sigilo será mantido. Defendo o poder terapêutico das palavras e se, por hora, não posso ouvi-los no meu consultório, gostaria muito de ouvi-los por aqui.

Sintam-se abraçados por minhas palavras.

Gentilmente,

Luciane

PS: Trecho de uma carta de Clarice Lispector, datada de 1948: “para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos (...) cortei em mim a força que poderia fazer mal aos outros e a mim”.

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