sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Um texto, um desabafo

Para sublimar um atentimento muito ruim que recebi, fiz o texto abaixo:


                                                              Diagnosticado                                                                                                                                            Luciane Couto
“O processo de criação narrativa é a transformação do demônio em tema” Vargas Lhosa                                                                                                                             
Você, leitor, certamente já ouviu falar da Síndrome de Stendhal, um distúrbio psicológico desencadeado pela overdose de beleza, sobretudo frente a obras de artes.  O autor francês Stendhal, que empresta seu nome ao distúrbio, foi o primeiro a descrevê-lo, em 1817, ao mencionar no diário de viagem sua experiência ao visitar uma basílica em Florença. Décadas e décadas mais tarde, a psiquiatra italiana Graziella Magherini descreve reações (desmaios, vertigens, alucinações, desequilíbrio afetivo...), semelhantes às descritas por Stendhal, em dezenas de outros turistas que visitavam Florença, e daí configurou-se a tal síndrome. Eu mesma fui acometida por ela: chorei copiosamente por minutos intermináveis ao visitar pela primeira vez a Duomo, em Milão, e não consegui permanecer no interior da Catedral de Notre Dame, em Paris, devido a um sentimento de angústia atroz. Felizmente, meus sintomas não permaneceram nem se ampliaram. Assim eu acho.
Mas esqueça Stendhal, pois quero compartilhar com você a descoberta (minha) de uma nova síndrome!!!  Um artista medíocre acredita piamente que seu trabalho é irrepreensível, e que os demais, pueris reles mortais, devem reverencia-lo e enunciar calorosamente os atributos do seu trabalho. Bastou alguém o ter elogiado no passado para ele se sentir magnânimo, invencível, capaz de justificar sua atrofiada sociabilidade pelo seu talento, que acredita ser singular e elevadíssimo, quando na verdade nada mais é que uma versão pálida de Florence (entenderá minha comparação ao ver o filme “Florence, quem é essa mulher?”, mas a versão hollywoodiana perde para o francês “Marguerite”). Eis a Síndrome de Shakespeare!
E ai do pobre sujeito que questionar o profissionalismo ou evidenciar alguma mácula no desempenho do acometido pela Síndrome de Shakespeare, pois será alvo de toda a agressividade do tal artista, que descerá do Olimpo para empenhar uma energia hercúlea para provar que sua obra é algo como um Porfírio ou Clício, quando na verdade é liliputiana e raquítica. Deus nos proteja dessa síndrome e dos que dela sofrem, pois não parece haver fármaco ou psicoterapia que a aplaque. Talvez só reza brava funcione, muita e ecumênica.
Aprofundarei no estudo nosológico da Síndrome de Shakespeare, que provavelmente será incluída no Novo Código Internacional de Doenças. Inclusive já consigo antever, desde já, plateias lotadas me ouvindo explanar sobre a nova doença, e no fim dessas explanações, eu sendo aplaudida de pé, ovacionada, laureada...
Esqueci-me de mencionar: a Síndrome de Shakespeare é altamente contagiosa. Mas para provar que estou ainda em posse de minha sanidade, ressalto que na verdade devo compartilhar o mérito pela descoberta e descrição da nova síndrome com uma grande profissional e amiga:
- Cristina, o Prêmio Nobel será logo nosso!
E não poderemos deixar de agradecer e dedicar nosso futuro prêmio ao Dudu, pois graças a ele identificamos e comprovamos a Síndrome de Shakespeare.  Viu, Dudu, sua fama finalmente se perpetuará!

“Resta saber de onde vem essa necessidade absoluta que transforma todos os escritores em eternos indigentes do olhar alheio” Rosa Montero

Um comentário:

  1. Lu, minha nossa!
    Você é sempre tão calma, imagino só o que aconteceu que possa ter inspirado este texto (muito bom, por sinal)!
    Acho que essa síndrome leva nomes diferentes para as mais variadas atividades humanas, porque já vi muitas pessoas com esses mesmos sintomas, rsrsrs!

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